Eu tinha uns cinco anos quando assamos um bolo de chocolate, cobrimos com brigadeiro e balas de iogurte. Era uma festa de aniversário para uma boneca minha e uma boneca da Ana. Foi minha tia que inventou aquilo, ela adorava planejar festas, então foi tudo como se fosse uma festa de aniversário real. Haviam bexigas, até vela de aniversário e um “parabéns para você”.
Ela sempre me ligava para perguntar como iam as coisas, sempre nos levava para passear quando viajávamos para o Rio de Janeiro, planejava perfeitamente todos os Natais e Anos Novos, sempre vinha para São Paulo para decorar todas as festas de aniversário, trazia até as lembrancinhas perfeitas na mala. Em um dia das crianças, apareceu aqui em casa de surpresa, ganhou a viagem da empresa, não contou para ninguém, se escondeu na varanda fingindo que era um bichinho novo, saiu com presentes na mão.
Há uns oito anos, na minha viagem anual para o Rio de Janeiro, fomos ao shopping passear, entramos em uma livraria e ela disse que uma amiguinha dela havia indicado um livro para ela. Eu é que tinha indicado.
Há uns seis anos, em outro viagem, poucos dias após o Natal, levamos ela para comer fora, ela tinha passado um hidratante que demos de presente para ela. Brincando, elogiamos o cheiro do hidratante, falando que quem tinha dado tinha bom gosto. Ela parou um pouco, pensou e disse que tinha ganhado de um amigo do trabalho.
Há uns cinco anos, ela apareceu de surpresa no aniversário da minha mãe. Ela é irmã do meu pai, que hoje é ex-marido da minha mãe. Ela demorava para se arrumar, precisava fazer todo um ritual antes de sair de casa. Quando dormiu no meu quarto, me contou a história de uma amiga cigana que ela havia feito, que visitava ela todos os dias. No último dia, ela acordou a minha irmã de madrugada, disse que as vozes diziam coisas horríveis para ela. Gritava, chorava. Ficamos muito assustadas.
Quando voltou para o Rio de Janeiro, ela inventou mentira para meu avô, contou coisas falsas e horríveis. Não falava mais com nós. Ligou para meu pai contando coisas que ele sabia que era mentira.
Ninguém percebeu. Nós estávamos longe demais.
Não havia amiguinha. Não havia amigo do trabalho. Não havia cigana. Eram vozes. Vozes em suas cabeça.
A esquizofrenia a transformou, levou meu tia e nos deixou uma casca vazia. O tratamento veio muito tarde, as vozes podem ter sumido, mas ela também sumiu. A alegria sumiu, a espontaneidade sumiu, todinha ela se foi. O que sobrou foi uma pessoa apática, que faz coisas como se tivesse sido programada.
Dá saudade.
Fafá :*